Hoje ouvi da boca de um amigo bastante culto a palavra “vexamoso“, com o sentido de “que causa vexame”. Quando pude, vim conferir se a palavra “existia”. Para os que consideram que uma palavra só existe se está nos dicionários, então não, o adjetivo vexamoso e suas demais formas (vexamosos, vexamosa, vexamosas) não existem; mas não se pode dizer que não existem mesmo, quando há centenas de registros de uso desses termos em notícias, livros, tuítes (como o do nosso maior “padre celebridade”, acima)… e até numa gramática.
Na sua Gramática de usos do português, de 1999, a excelente professora Maria Helena de Moura Neves usou o seguinte exemplo tirado da imprensa: “O comportamento desta moça é vexamoso e indecoroso” (ver aqui) – sem fazer qualquer consideração acerca do adjetivo vexamoso.
É fato que a forma tradicional, registrada nos dicionários – e ainda a mais usada -, é vexaminoso. Mas também é um fato que o encurtamento de vocábulos é um dos processos mais naturais e corriqueiros da língua: a atual palavra bondoso era antigamente escrita (e falada) bondadoso (como só poderia ser, vinda de bondade + -oso); o tempo e o uso dos falantes acabaram por “comer” uma das sílabas da palavra, e hoje ninguém estranha a forma abreviada.
Do mesmo modo, a palavra piedoso, que hoje ninguém diria ser incorreta, é na verdade uma “deformação” de piedadoso (piedade + -oso); e o nosso atual saudoso era, originalmente, saudadoso (saudade + -oso).
O atual você, todos sabem, veio da amalgamação de vossa mercê; a nossa palavra lenda um dia já foi legenda, que acabou cortada; a palavra cor já teve duas vogais e um -l-, como ainda mantém em outras línguas (color); o adjetivo tragicômico resultou do encurtamento, por praticidade, de trágico-cômico; e a antiga simbolologia acabou sendo substituída na prática pela encurtada simbologia.
Esses encurtamentos, que podem parecer “preguiça” dos falantes, são na verdade um fenômeno que se observa todo o tempo na evolução de todas as línguas, e que nada mais é que uma busca inconsciente e natural por eficiência linguística: passar a mesma ideia usando menos sílabas é, no fim das contas, comunicar-se mais eficientemente.
De modo que, assim como simbologia, bondoso e saudoso tomaram o lugar dos mais compridos simbolologia, bondadoso e saudadoso, é quase certo que, no futuro, a forma vexamoso venha até a superar vexaminoso na preferência dos falantes e dos dicionários. Quem viver verá.
Acho seu blog tãããão interessante. Obrigada pelas publicações.
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No Brasil, está estendido o uso da preposição “pra”, ou não?
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Na língua falada, só se diz “pra”, em lugar de “para” e de “para a”, e “pro”, em lugar de “para o”. Escreve-se também assim, mas informalmente. No registro formal, ainda se escrevem “para”, “para a” e “para o”.
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Quero dizer, só se diz assim na língua falada na região onde vivo (Centro-Oeste) e naquelas pelas quais andei mais (Sudeste e Sul). Não sei se se fala assim em todo o Norte e em todo o Nordeste. Há, no Nordeste, lugares em que ainda se encontravam em uso corrente registros muito arcaicos, que talvez remontem ao galego-português, de modo que é sempre difícil dizer “assim não se fala/escreve no Brasil”: é preciso informar de qual região se trata, de que classe social é o falante e qual o contexto da fala (formal/informal). Se isto é verdadeiro para todas as variantes do português e mesmo para todas as línguas, é-o ainda mais no Brasil, em que a distância entre os registros formal e informal é muito grande.
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Bem, nesse caso é uma cousa parecida á da Galiza. Na Galiza, case tódolos galegofalantes dim (ou diziam) “pra”. Ainda que, na escrita todos escrevem “para” nos registros formais. Nos informais hai de todo, abonda com olhar ás redes sociais.
Mais uma diferença co Brasil é que acó lhes pomos acentos ás contrações de pra+artigo (prá, pró, prás, prós). Por último, isso do “pra” era mais usado cando ainda não se creara a normativa oficial do galego (creada no 1982) e mais do 80-90% dos galegos falabam a sua língua própia (moi castelanizada pola ditadura franquista). Agora, só 1/3 dos rapazes falam galego (ou castrapo). O resto, castelão.
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No Brasil também se acentuava “prá”; em Portugal, a norma era a acentuação com acento grave (prà, prò, pràs, pròs), que caiu com o Acordo Ortográfico atual (que limita o uso do acento grave às crases da preposição “a”).
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Sim, é bem como o Rodrigo diz: em todo o Brasil, diz-se sempre, sempre “pra” (tanto em lugar de “para” quanto em lugar de “para a”; e pro em lugar de “para o”), exceto numa fala extremamente cuidada – mas raramente se escrevem as formas abreviadas, ainda consideradas muito informais, razão pela qual em geral se escrevem “para”, “para a” e “para o”.
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São comparáveis as situações de “pra” e “vexamoso”? Quero dizer, se são a forma maioritária na fala, tamém rematarão por impor-se na escrita (co passar dos anos)?
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Não digo que vexamoso seja (ainda) forma majoritária na fala. Mas sim, nos dois casos o fenômeno observado é aquele que ocorre implacável e a todo o tempo em todas as línguas: a “economia” linguística – transmitir a mesma informação com menos esforço físico.
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