O certo é sediar ou sedear? Diz-se sedeado ou sediado?
Até existe o verbo “sedear“, com “e”: é um verbo antigo cujo significado é limpar ou lustrar com seda, ou com escova de seda, etc.
O verbo que se usa com o sentido de receber um evento, hospedar, ser sede (séde) de algo é sediar, com “i”, como sabemos todos (e como ensinam todos os dicionários portugueses e brasileiros). Sabemos todos, exceto alguns dos criadores de caso de sempre (por exemplo, aqui e aqui), que dizem que, se vem da palavra sede, o verbo deveria ser sedear (e o adjetivo, sedeado), e não sediar/sediado.
A “lógica” é simplesmente furada: existe em português a produtivíssima terminação “-iar”, que faz que, de chefe, se tenha criado o verbo chefiar (não *chefear); de lume, o verbo alumiar; de abade, o verbo abadiar; de judeu, o verbo judiar; de apreço, apreciar; de presença, presenciar, etc.
E, para variar, além de precisarem corrigir todos os dicionários brasileiros, portugueses (e até galegos), os sabichões precisariam corrigir a história da língua portuguesa: ao menos desde a década de 1930 se encontram exemplos de sediar e sediado em decretos e textos oficiais – como o decreto-lei brasileiro 457, de 1938, pelo qual o então presidente Getúlio Vargas autorizou a doação de fazendas, a fim de “nelas sediar o novo quartel das forças federais“, ou o Boletim de 1934 do Ministério da Agricultura, que se referia aos “encarregados de postos sediados em zonas de caça“.
Nesse caso, os que tenham mais de 100 anos têm escusa. Podem dizer: isso nos meus tempos nom era assim.
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Bem, esta questão é muito complexa. Reparou que estes textos que defendem «sedear» já têm uns anos? Pelo menos em Portugal, houve muita hesitação. Até há uns dez, quinze anos, julgo até que a forma preferível era «sedear». Na minha 7.ª edição do dicionário da Porto Editora (1994), não aparecem nem «sediar» nem «sedear», mas «sedeado» sim (que tem a sua sede em qualquer parte). Entretanto, «sediar» foi-se impondo, e hoje ninguém defenderá «sedear». Sinceramente, parece-me que os dicionários portugueses foram atrás dos dicionários brasileiros, caso contrário «sedear» teria vingado. Não vem nenhum mal ao mundo, até foi bom, pelo menos aqui há acordo.
Só um aparte. O Ciberdúvidas não é um sítio monolítico. Apresenta muitas sensibilidades e opiniões divergentes. O colaborador F. V. Peixoto da Fonseca, já falecido, defendeu a sua posição usando argumentos racionais. Não vingaram, paciência. Acontece aos melhores.
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Perfeito, Mário, concordo com tudo o que escreveu. O problema nessa resposta específica do autor foi “vender” uma posição ou gosto pessoal como verdade absoluta. Podia ter dito que achava a grafia sedear preferível a sediar. Mas vendeu sua opinião como se fosse um fato (“Sedear é a única grafia legítima para qualquer dos sentidos do verbo; “sediar”, com i, está errado”), usando para isso um argumento errado (“Os verbos em -iar já trazem o i do radical, como distanciar”), e acabou traído pelo caráter atemporal da Internet, que ao menos até ontem continuava trazendo aquela resposta infeliz como primeiro resultado a quem pesquisasse “sedear ou sediar” no Google.
É a implacabilidade da Internet: tudo que aqui se publica passa a ser atemporal, o que é um perigo para todos os que fazemos afirmações taxativas sobre a língua – um ser tão vivo quanto nós, mas que, à diferença de nós, continuará vivo por ainda muitos séculos.
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Sim, concordo, não gosto nada de autores demasiado taxativos, mas todos nós acabamos por fazer o mesmo. Vou dar-lhe um exemplo. Já defendeu aqui que dizer «catéter» está errado. Ora, eu aposto dobrado contra singelo em como, pelo menos em Portugal, é esta a forma que vai vingar. Nunca ouvi ninguém dizer «catetér». E nestas coisas, como em todas, o povo é soberano.
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Que coincidência enorme (e fortuita)! Você está certíssimo. Vinha justamente dedicando a semana, e o dia de hoje inclusive, a pesquisas quanto à prosódia de alguns vocábulos médicos, em que os dicionários contradizem as formas usadas por todos os médicos brasileiros (como “cateter”, precisamente), e encontrara evidências de que, além de ser a forma viva, “catéter” tem respaldo etimológico e de registros lexicográficos antigos – noutras palavras, os dicionários modernos é que estão errados/deficientes. São duas publicações em que incorri no crime do caga-regrismo e que precisam ser revisitadas em breve, essa e a de octogenário/octogésimo (as formas octagenário/octagésimo também aparecem nos nossos primeiros dicionários, e a troca por octo- foi, como a supressão do acento em catéter, caga-regrismo de puristas).
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Muito bom. Fiquei curioso. Nunca gostei dessas discrepâncias entre falantes e dicionários.
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Já que falavam do Ciberdúvidas, precisei vir desabafar após ler esta reportagem no jornal O Público: https://www.publico.pt/2017/01/11/sociedade/noticia/a-porta-dos-20-anos-dificuldades-financeiras-mantem-futuro-incerto-do-ciberduvidas-1757913 O dono do Ciberdúvidas passa-a toda a reclamar que quer dinheiro (público ou de empresas patrocinadoras) para o site, e “ameaça” que do contrário será obrigado a fechar o site, que lhe custa uns 4000 euros por mês(!!!!) – a quem esse senhor quer enganar??? Acha que todos somos trouxas que nunca compraram um site na vida?? Eu mantenho o site da empresa da família, muito melhor que o do Ciberdúvidas, e posso afirmar com absoluta certeza que um site como o do Ciberdúvidas não custa nem 50 euros por mês – simplesmente não tem como custar mais! Qualquer pessoa que tenha um site sabe que não existem custos fixos – e nunca, jamais desse montante. Sinto que acha que merece ficar rico à custa dos leitores, é isso?
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Só posso responder quanto à parte que me toca: o custo total de manutenção deste site é de cerca de 30 reais (menos de 10 euros) por mês, e isso apenas para pagar os dois endereços, http://www.dicionarioegramatica.com e http://www.dicionarioegramatica.com.br, mas esses são dois custos que o Ciberdúvidas não tem, já que é hospedado na página do Instituto Universitário de Lisboa. O Ciberdúvidas tem, isso sim, um leiaute profissional, que nos faz falta, mas um design ou leiaute só se paga um vez na vida, não existe custo mensal. Em resumo, por mais que me esforce, não consigo conceber nenhuma possibilidade pela qual o Ciberdúvidas (ou qualquer outro site) possa custar mais de 30 (trinta mesmo) euros por mês.
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Bom, há que sermos justos: ele não disse que o site custa 4.000 euros; disse que os custos mensais “não atingem os 4000 euros por mês”. Ora, trinta euros por mês efetivamente “não atingem os 4000 euros por mês”. Ou seja: mentir, mentir, não mentiu…
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O pessoal do Ciberdúvidas trabalha de graça?
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Segundo a reportagem, todos, exceto o dono, sim.
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